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Insatiable – 2ª temporada | Crítica

Controversa sátira da Netflix tenta apagar incêndios no segundo ano, mas a perda já é total

Insaciável Netflix

Quando estreou, ano passado, Insatiable (Insaciável) tinha enfrentado uma onda impressionante de rejeições precipitadas, que se tornaram depois rejeições qualificadas. Tendo passado por protestos e petições baseadas apenas no trailer, a série já chegou à Netflix com uma reputação ruim. Porém, após alguns episódios ficou claro que as críticas não eram infundadas. 

Se a premissa da garota do High School que é infeliz e miserável por ser gorda e é aceita ao se tornar magra já era discutível, o resultado final reiterou a negatividade. Incapaz de imprimir o que  pretendia na essência da série, a criadora Lauren Gussis ficou perdida numa temporada recheada de piadas de mau gosto, sátira indetectável e perigosas mensagens. Insatiable não conseguia compensar seus erros com os poucos acertos de atuação ou as poucas piadas não-ofensivas que surgiam para nosso alívio em um momento ou outro. Dado ao absurdo, a série parecia querer absorver o melhor da ironia e do sarcasmo, mas na hora de realocar essas coisas com o planejamento da temporada, não resistia a posicionamentos vazios e a incompetência textual, que se debatia para fazer humor de humilhação num momento em que não estamos mais dispostos a aceitar formas nocivas de se contar uma história. Insatiable acabou humilhada.

Os problemas de condução já tinham sido anunciados com trombetas estridentes. Lauren, a criadora, baseou a série num artigo do New York Times sobre um abastado treinador de candidatas a concursos de beleza. A fragilidade do argumento era tanta que uma lida na tal matéria revela quase nenhuma semelhança entre original e derivado. Junte isso ao fato de Lauren ter assumido a produção executiva principal da série Dexter justamente a partir do ano 5, quando as coisas por lá começaram a seguir por um caminho sem volta. O erro se repetiu em Insatiable… A série começou com a ideia da menina gorda que emagrece e se vinga, mas duas temporadas depois os roteiros não respeitam essa premissa e oferecem aos personagens situações que não acrescentam em nada e em alguns casos, atrapalham o que ficou estabelecido.

“Indigestable”

É difícil defender essa produção, é claro. Mas, é possível reconhecer parte de seus progressos. Se na primeira temporada a história de Patty (Debby Ryan) não demora a superar a vingança do High School para se tornar uma narrativa do absurdo; nesse segundo ano só lembramos de como tudo começou porque Patty fala em estar com fome a cada dois minutos. Fora isso, a narrativa se estabilizou nos conflitos dos concursos de beleza (os melhores, realmente) e com eles no centro dos acontecimentos, fica difícil retornarmos ao plot original. Talvez por saberem disso, os responsáveis pararam de lutar contra a correnteza e foram abraçando essa dinâmica. Palcos, vestidos, concursos, intimidações, crimes… Tudo que esperamos de uma novela teen que passaria na parte da tarde da TV.

A questão é que Lauren escolheu o crime como travessia definitiva da série para o campo do absurdo e se a personagem de Debby já não era nada carismática antes, quando vira uma assassina ultrapassa as últimas fronteiras e se torna só hipócrita. Com a dificuldade tão grande de revelar a ironia e o sarcasmo das cenas, em muitos momentos além de hipócrita, Patty e seus parceiros de cena também soam ridículos. Enquanto em produções como Glee a ironia e o humor de insultos parecem críticas veladas saídas das bocas de alienados, em Insatiable tudo parece uma confirmação e não um contraponto. O roteiro quer que nos identifiquemos com Patty, mas quando ela começa a matar “por causa de seus problemas”, ela só soa mais irritante e idiota. É impossível compreender seus motivos para a verdadeira chacina que promove, enquanto para o roteiro é muito legal que uma miss tenha se transformado numa quase serial killer. Aliás, Lauren não sabia falar de serial-killers e tampouco sabe falar sobre conflitos humanos reais. Era para ser uma sátira sobre a doença das competições estéticas, mas lá está a o roteiro romantizando o evento no último momento. Essa é uma série que não sabe o que quer.

A segunda temporada correu atrás de corrigir algumas coisas hediondas da temporada anterior. Já vemos Patty admitindo que perder peso não a transformou numa pessoa melhor, mas logo em seguida, só de pensar em engordar, ela já começa o processo de gordofobia para a qual foi construída. O triangulo amoroso entre os Bobs (Dallas Roberts e Christopher Gorhan) e Coralee (Alyssa Milano) – uma das poucas dinâmicas promissoras da série – se estica até o insuportável e depois fica frouxo como um elástico velho. E ainda não se retrata pela homofobia latente de Bob Armstrong, que foge loucamente da palavra “gay”. No quesito diversidade ela também corre atrás do tempo perdido, destacando o crescimento de atores e personagens que tenham essa responsabilidade. Contudo, mesmo com dois episódios a menos, os coadjuvantes permanecem estridentes e o mistério estabelecido enfrenta uma quantidade imensa de arestas desnecessárias e que impedem a fluidez da narrativa.

Enfim, ainda que a audiência de Insatiable tenha sido muito boa na primeira temporada, um cancelamento foi esperado… e não veio. 13 Reasons Why, que também causou repulsa em alguns, acabou chegando até o ano 4 (que está por vir). No Season Finale a última fronteira é atravessada, a expectativa aumenta, mas as previsões não são otimistas. Insatiable não tem nada de suculenta e não dá muita vontade de ir para o próximo pedaço.

Insatiable Em andamento (2018- )

Criado por: Lauren Gussis

Duração: 2 temporadas

(Des)encanto – 2ª parte | Crítica

Do Inferno ao mundo steampunk, série expande ainda mais o seu universo, mas perde fôlego com tramas paralelas

Imagem de (Des)encanto

Quem acompanha o trabalho de Matt Groening sabe que o criador de Os Simpsons e Futurama costuma brincar como ninguém com personagens mundanos e problemas do dia-a-dia, mesmo dentro das histórias mais fantasiosas. Quando a primeira parte de (Des)encanto chegou à Netflix, fomos apresentados a um estranho mundo medieval com magia, criaturas fantásticas e personagens com atitudes ainda mais questionáveis do que estamos acostumados a ver em suas obras. Dentro do seu formato já conhecido, foi uma estranha e agradável surpresa.

Os primeiros capítulos da segunda parte se propõem a desamarrar os nós deixados pelos 10 primeiros episódios. Conforme segue a linha narrativa principal, os capítulos fluem com naturalidade. O humor sarcástico do texto supervisionado por Groening faz com que não só a princesa Bean, mas Luci, Elfo e Rei Zog ganhem ainda mais destaque, cada um com uma piada mais infame do que a outra.

Enquanto a primeira parte funcionou mais como uma apresentação dos personagens ao público, foi apenas em seus momentos finais, com a busca pela criação do Elixir da Vida, que a trama ganhou mais agilidade. Após consolidar os papéis de cada um na história, os novos episódios têm como foco expandir ainda mais o universo de (Des)encanto, levando a viagens marítimas, celestiais (as passagens pelo Paraíso e o Inferno guardam alguns dos melhores momentos da temporada) e até uma visita ao mundo steampunk, tão explorado nos anos 1980 e 1990.

Mesmo com mais espaço para desenvolver os protagonistas, é nesse processo que os novos capítulos deixam a desejar. Conhecemos um pouco mais de Bean e sua necessidade de se encontrar na sociedade arcaica de Dreamland; Rei Zorg luta para sobreviver à nova vida sem suas rainhas e até mesmo o irmão-anfíbio Derek expõe seus sentimentos mais íntimos, mas toda a construção é feita com tramas paralelas sem o mesmo encanto que a narrativa principal. Apesar de cada um dos protagonistas ganhar personalidades mais bem definidas, a possibilidade de fazer episódios um pouco mais longos dentro do serviço de streaming não se encaixou com o material em mãos do showrunner Josh Weinstein. Alguns trechos parecem estar lá apenas para completar o tempo de 27 a 30 minutos.

Assim como na primeira parte, as referências a outras obras de cultura pop seguem presentes nos novos capítulos, de Game of Thrones a Ghost: Do Outro Lado da Vida. E não teria o dedo de Groening sem as críticas nas entrelinhas à sociedade estadunidense, sobrando até para o serviço público de saúde.

Mesmo com pontos negativos, a segunda parte tem ótimos momentos e deixa um gancho que promete explorar ainda mais os mistérios desse universo. Bean ainda tem muito a resolver – seja no reino de Dreamland ou consigo mesma – e (Des)encanto tem carisma de sobra para prender a atenção por mais algumas temporadas.

(Des)encanto Em andamento (2018- )

Criado por: Matt Groening, Josh Weinstein

Duração: 2 temporadas

(Des)encanto – 2ª parte | Crítica

Do Inferno ao mundo steampunk, série expande ainda mais o seu universo, mas perde fôlego com tramas paralelas

Imagem de (Des)encanto

Quem acompanha o trabalho de Matt Groening sabe que o criador de Os Simpsons e Futurama costuma brincar como ninguém com personagens mundanos e problemas do dia-a-dia, mesmo dentro das histórias mais fantasiosas. Quando a primeira parte de (Des)encanto chegou à Netflix, fomos apresentados a um estranho mundo medieval com magia, criaturas fantásticas e personagens com atitudes ainda mais questionáveis do que estamos acostumados a ver em suas obras. Dentro do seu formato já conhecido, foi uma estranha e agradável surpresa.

Os primeiros capítulos da segunda parte se propõem a desamarrar os nós deixados pelos 10 primeiros episódios. Conforme segue a linha narrativa principal, os capítulos fluem com naturalidade. O humor sarcástico do texto supervisionado por Groening faz com que não só a princesa Bean, mas Luci, Elfo e Rei Zog ganhem ainda mais destaque, cada um com uma piada mais infame do que a outra.

Enquanto a primeira parte funcionou mais como uma apresentação dos personagens ao público, foi apenas em seus momentos finais, com a busca pela criação do Elixir da Vida, que a trama ganhou mais agilidade. Após consolidar os papéis de cada um na história, os novos episódios têm como foco expandir ainda mais o universo de (Des)encanto, levando a viagens marítimas, celestiais (as passagens pelo Paraíso e o Inferno guardam alguns dos melhores momentos da temporada) e até uma visita ao mundo steampunk, tão explorado nos anos 1980 e 1990.

Mesmo com mais espaço para desenvolver os protagonistas, é nesse processo que os novos capítulos deixam a desejar. Conhecemos um pouco mais de Bean e sua necessidade de se encontrar na sociedade arcaica de Dreamland; Rei Zorg luta para sobreviver à nova vida sem suas rainhas e até mesmo o irmão-anfíbio Derek expõe seus sentimentos mais íntimos, mas toda a construção é feita com tramas paralelas sem o mesmo encanto que a narrativa principal. Apesar de cada um dos protagonistas ganhar personalidades mais bem definidas, a possibilidade de fazer episódios um pouco mais longos dentro do serviço de streaming não se encaixou com o material em mãos do showrunner Josh Weinstein. Alguns trechos parecem estar lá apenas para completar o tempo de 27 a 30 minutos.

Assim como na primeira parte, as referências a outras obras de cultura pop seguem presentes nos novos capítulos, de Game of Thrones a Ghost: Do Outro Lado da Vida. E não teria o dedo de Groening sem as críticas nas entrelinhas à sociedade estadunidense, sobrando até para o serviço público de saúde.

Mesmo com pontos negativos, a segunda parte tem ótimos momentos e deixa um gancho que promete explorar ainda mais os mistérios desse universo. Bean ainda tem muito a resolver – seja no reino de Dreamland ou consigo mesma – e (Des)encanto tem carisma de sobra para prender a atenção por mais algumas temporadas.

(Des)encanto Em andamento (2018- )

Criado por: Matt Groening, Josh Weinstein

Duração: 2 temporadas

Arrow – 7ª temporada | Crítica

Sétimo ano da série prepara o terreno para despedida de Arrow

Stephen Amell como Oliver Queen/Arqueiro Verde em Arrow

Nascida no ápice da busca por realismo e sobriedade em produções de super-heróis da DC, gerada pelo sucesso da trilogia O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, Arrow entregou, em 2012, uma visão mais violenta e vingativa do Arqueiro Verde, com Stephen Amell vivendo um Oliver Queen com sede de sangue e seu tempo na misteriosa ilha de Lian Yu sendo explorado por meio de flashbacks. Mais leve desde sua quinta temporada, quando se permitiu abraçar suas origens dos quadrinhos, a série chegou ao sétimo ano disposta a mudar a desgastada fórmula de memórias e identidades secretas, encerrando arcos e amarrando pontas soltas num aquecimento para a despedida da produção.

Se o final da sexta temporada decepcionou por não encerrar a história de Díaz (Kirk Acevedo), a sétima começa empolgante justamente por mergulhar de cabeça em sua resolução. Com Oliver preso e Felicity (Emily Bett Rickards) escondida pelo programa de proteção a testemunhas, Star City vê o crime aumentar após o decreto de criminalização de vigilantes impedir Dinah (Juliana Harkavy), Rene (Rick Gonzalez) e Diggle (David Ramsey) de protegerem a cidade sem quebrar o acordo feito com o FBI para não serem presos como o Arqueiro Verde. Apesar de ser uma mudança temporária, a batalha de Oliver para sobreviver dentro do presídio com criminosos que sabem sua identidade secreta tira a série do marasmo temático visto desde a terceira temporada.

Outra mudança bem-vinda no sétimo ano é o fim dos flashbacks: finalmente, Arrow para de se prender ao passado e nos mostra o futuro, com cenas que se passam no ano de 2040, protagonizadas por uma versão adulta de William (Ben Lewis), filho de Oliver, e os membros restantes da Equipe Arqueiro.

A trama ainda ganha elementos clássicos de “novelão” do Arrowverso com a introdução de um imitador do Arqueiro Verde que, desde o primeiro episódio, começa a caçar criminosos de Star City que tenham escapado da prisão por tecnicalidades e distribui dinheiro saído do tráfico de armas e drogas para beneficiar negócios familiares no bairro pobre do Glades. Esse novo vigilante causa uma rixa entre Dinah, que substituiu Quentin como capitã de polícia, e Rene, apoiador do novo imitador de Oliver.

O ressurgimento de Díaz também causa suas complicações, com Felicity e William voltando para Star City e Oliver e Laurel (Katie Cassidy), agora procuradora-geral do distrito, tentando antecipar a saída do herói da cadeia para impedir que o vilão cause mais mortes. Embora o arco de Díaz possa parecer repetitivo na primeira metade da temporada, a nova dinâmica dos heróis dá à primeira leva de episódios um clima de novidade. Pela primeira vez, a equipe se vê completamente sem a ajuda de seu líder, enquanto Laurel tenta provar, de uma vez por todas, que ela não tem intenção nenhuma de prejudicar o grupo.

Como qualquer série, a sétima temporada tem seus altos e baixos. Para um vilão que dominou Arrow por quase dois anos, Díaz tem um final extremamente anticlimático e sua morte serve apenas para aprofundar o dramalhão familiar da vez: a chegada de Emiko (Sea Shimooka), meia-irmã de Oliver e identidade verdadeira do falso Arqueiro Verde. 

Outro boa ideia desperdiçada é a insistência no clima pesado na relação entre vigilantes e a polícia de Star City. Após a libertação de Oliver, um projeto semelhante ao  Registro de Super-humanos de Guerra Civil, da Marvel Comics, permite que heróis trabalhem como parte de uma unidade da força policial da cidade após documentar suas identidades e passar pelos devidos testes. Obviamente, os métodos aplicados por Arqueiro Verde e companhia nem sempre condizem com o esperado pelos colegas de uniforme, criando uma tensão que, depois de pouco tempo, se torna cansativa.

Já nas passagens pelo futuro, a formação de uma nova Equipe Arqueiro é feita num ritmo acelerado, mas bem escrita o bastante para que o espectador crie laços com os novos personagens. Uma grande tática da produção, além de amarrar os acontecimentos de 2040 com os de 2018-2019, foi trocar o foco de William para Mia Smoak (Katherine McNamara), filha de Felicity e Oliver, na virada do ano, dando fôlego ao cenário futurista, muito pelo carisma e dinâmica que os intérpretes dos irmãos entregaram na cena.

Episódios como “Spartan”, que desenvolvem ainda mais o personagem de Diggle, ou a parte de Arrow no crossover “Elseworlds” também contam como exemplos de bom trabalho da equipe da série, liderada pela primeira vez pela nova showrunner Beth Schwartz, que substituiu Greg Guggenheim e Wendy Mericle no posto. Ambos os capítulos, aliás, dão a entender que o ex-guarda-costas de Oliver é, na verdade, a contraparte da CW do Lanterna Verde John Stewart, abrindo caminho para a introdução do personagem em um futuro pós-Crise nas Infinitas Terras.

Grande pecado da sétima temporada, a montagem de Emiko como vilã não convence. Apesar de ter tempo de tela o bastante e ser bem desenvolvida, a irmã perdida de Oliver fica longe de antagonistas mais simpáticos e carismáticos como Merlyn (John Barrowman) e Slade (Manu Bennet). Em diversos momentos, a assassina tem oportunidades claras de redenção, oferecidas por seu irmão e por Rene, não aproveitadas por pura teimosia. A introdução do Nono Círculo como organização por trás de suas ações só serve para enfraquecer ainda mais a personagem, que encontra seu fim de maneira extremamente apressada.

A despedida emocionante fica por conta de Emily Bett Rickards, que deixa a série após sete anos. As palavras finais de Felicity para William e Mia em frente à lápide de Oliver – outra referência ao crossover desse ano – servem para passar aos irmãos o bastão de líderes da próxima geração de heróis. Em seu último momento na produção, a hacker se encontra com o Monitor (LaMonica Garrett) e passa por um portal “sem volta”, rumando para um novo encontro com seu marido.

Finalmente com espaço para olhar para frente, Arrow começa a preparar seu público para a grande despedida em 2019. Apesar de um ou outro problema de percurso, a série teve uma de suas melhores temporadas desde a estreia, amarrando pontas soltas ao mesmo tempo em que desenvolvia novas narrativas. Mais preocupado em resolver a própria história do que mexer com outras peças do Arrowverso, o sétimo ano dá espaço de sobra para os últimos 10 episódios da produção se despedirem de vez de Oliver Queen.

Arrow Encerrada (2012-2020)

Criado por: Greg Berlanti, Marc Guggenheim, Andrew Kreisberg Duração: 8 temporadas

Manifest – O mistério do voo 828 – 1ª temporada | Crítica

Sucesso da NBC sobre o misterioso voo 828 chega ao Globoplay

Manifest

Alguns títulos do nosso vasto catálogo de séries de TV são transformadores, divisores, provocam uma onda de réplicas que mudam a forma como as histórias são contadas. Entre esses títulos (que incluem The Sopranos, Arquivo X e Sex and the City) está Lost, a série da ABC que foi um dos maiores – senão o maior – fenômenos de popularidade da primeira década do ano 2000. Antes dela, ninguém na TV tinha bipartido narrativas entre retrocessos e avanços no tempo, várias vezes, no mesmo episódio, por exemplo. A junção intensa de religião com ciência, a teoria dos degraus de separação, a necessidade de manter o público atento para montar sozinho o quebra-cabeças. Depois dela, esse tipo de “série sobre um mistério central” passou a ser um “filão”, um mercado de investimentos que saturou o gênero.

Manifest, da NBC, tem duas coisas em comum com Lost: ela começa com um “acidente” de avião e sua narrativa esconde segredos a serem desvendados. As semelhanças, contudo, param por aí. Centrada na família Stone, a série começa quando os membros desse clã resolvem se separar para voltar a Nova York depois de uma viagem para a Jamaica. Ben Stone (Josh Dallas), sua irmã Michaela Stone (Melissa Roxburgh) e seu filho Cal (Jack Messina) embarcam no voo 828. Sua mulher Grace (Athena Karkanis) e sua outra filha Olive (Luna Blaise) partem em outro avião. O voo 828 sofre uma forte turbulência, mas consegue pousar na Big Apple no horário previsto. O problema é que quando chegam, os passageiros descobrem que cinco anos se passaram e parentes e amigos dos integrantes do 828 achavam que eles estavam mortos.

Com menos de 20 minutos de episódio-piloto a série entrega absolutamente toda a sua premissa, deixando o espectador sob a perspectiva incerta do que está por vir. A criação de Jeff  Rake (de The Tomorrow People) tem a intenção de ser uma história centrada no que aconteceu com os passageiros, sem muletas procedurais, enquanto, de fato, ela existe a partir do momento em que é revelado o que os integrantes do voo 828 tem em comum: todos ouvem em suas cabeças uma espécie de “chamado”, que antecipa o futuro ou ordena que eles tomem atitudes para evitar ou esclarecer problemas. Esse é o lugar de conforto da produção, que pode correr por excessivos 16 episódios, economizando o máximo possível de revelações. Em Manifest tudo é sobre ouvir e seguir os tais dos chamados.

Voo Rasante

Assim como acontece nesse tipo de série, as mensagens são cifradas e nada nunca é dito claramente. Os roteiros vão atrás de todo o tipo de referência que sirva à criação desses enigmas, como trechos bíblicos, alinhamentos planetários, horóscopo chinês e por aí vai. O efeito colateral de ser herdeiro dessas séries que dividiram águas é que nada nelas soa muito novo e as produções precisam se apegar a coisas como o carisma dos personagens, coisa que Manifest não tem. Os dramas entre aqueles que sumiram e os que ficaram são todos centrados na questão amorosa e perde-se boa parte do tempo vendo como funcionam os desinteressantes triângulos amorosos formados pelos irmãos Stone. É difícil torcer até pela jovem Saanvi (Parveen Kaur), que passa a série inteira tendo apenas diálogos sobre as poucas características científicas do que envolve o evento com o 828.

Assim como nas séries adolescentes, de fantasia ou mistério, ninguém tem uma rotina. Todos estão em perigo iminente, com suas vidas girando em torno dos passageiros, dependentes de ganchos que mantenham o público distraído semana após semana. A NBC ainda complicou a vida da produção ao não dar a ela o orçamento devido e algumas sequências pioram a deselegância do resultado final, como quando os personagens têm visões com terríveis lobos de computação gráfica. Os “chamados” aparecem na forma de vozes imperativas que – para variar – se resumem a “pare ele”, “liberte” e coisas do tipo, que, aparecendo entre as cenas, soam absolutamente cafonas. Esses detalhes brigam com a premissa da série, que tem chances reais de ser interessante, desde que os roteiros se comuniquem com mais organicidade.

Lá pelo meio da temporada uma reviravolta curiosa melhora ligeiramente as perspectivas para um segundo ano, quando o papel do governo perde força para uma resposta mais ampla, ligada, sobretudo, aos novos elementos que mesmo fora do avião, foram afetados pela curiosa transformação temporal. Mas, é aterrador perceber que Manifest parece destinada a continuar expandindo sua mitologia no intuito de justificar suas temporadas, o que vai nos afastando cada vez mais pela falta de verossimilhança. Sem personagens carismáticos, sem um orçamento justo, sem poder avançar muito na história, a série acaba soando genérica, uma versão de um produto original. Não quer dizer que algo não possa mudar daqui para frente. Contudo, agora o mistério é saber quanto tempo de vida saudável uma produção baseada em segredos pode ter atualmente.*Manifest – O mistério do voo 828 foi teve seus dois primeiros episódios exibidos como filme na Globo, mas já tem sua primeira temporada toda disponível para assinantes da Globoplay. 

Manifest – O mistério do voo 828 Em andamento (2018- )

Criado por: Jeff Rake

Duração: 2 temporadas

Peaky Blinders – 5ª temporada | Crítica

Mais político, quinto ano abraça a vida real e dissolve a família Shelby em conflitos e traumas psicológicos

Peaky Blinders

Em outubro de 1929, o mundo estava à beira do colapso. A bolsa de valores de Nova York havia quebrado e milhares de pessoas perderam suas fortunas de uma hora para outra. O nível de desemprego era altíssimo e os “sobreviventes” tentavam juntar os cacos dessa crise para não perder o pouco que lhes restavam. Era o início da chamada Grande Depressão. 

Começar a quinta temporada a partir dessa premissa foi uma maneira do criador/roteirista Steven Knight mostrar o que esperava Tommy Shelby (Cilliam Murphy) e os Peaky Blinders no novo ano: caos.

Equilibrar ficção e vida real nunca foi um problema para a série, que já apresentou algumas figuras históricas ao longo dos anos para contracenar com seus personagens. Agora, a trama abraça de vez a realidade. Com a população descrente com o rumo do país após a quebra da bolsa, o período entre o final da década de 20 e início dos anos 30 foi palco do surgimento de um movimento que marcou para sempre a história da humanidade. Representada na figura de Oswald Mosley (Sam Clafin, perfeito no papel), nascia na Inglaterra a União Britânica dos Fascistas, célula que reunia os nacionalistas britânicos que, nos anos seguintes, apoiariam líderes populistas como Benito Mussolini e Adolf Hitler. Durante os seis episódios, a jornada enfrentada pelos Shelby os leva a encarar o aumento da ameaça fascista pouco a pouco, politizando mais a trama sem a tornar, de fato, política. 

Abusando de sua qualidade, o texto de Knight está mais afiado do que nunca. Diminuíram os embates entre gangues e aumentaram os diálogos ácidos e afrontosos.  Ouvir Mosley expor o caráter opressor de sua filosofia política é tão encantador quanto aterrorizante. Clafin rouba a cena enquanto discursa para a nobreza britânica, seja na Casa dos Comuns ou durante uma simples festa. Sua atuação transmite com nitidez a sedução da oratória de um líder político que banca o salvador em tempos de dificuldades.

É nessa análise do discurso que entendemos o que torna o deputado mais ameaçador do que qualquer outro vilão de temporadas anteriores. Mosley não é um gângster que pode ser apagado com um simples tiro ou suborno. Ele representa uma ideia, uma ideologia tóxica que arrasta seguidores por onde passa. 

Outro grande acerto da narrativa é recuperar o sofrimento psicológico dos personagens. Durante a primeira temporada, era comum a ver Tommy e Arthur (Paul Anderson) sofrerem com os traumas da Primeira Guerra Mundial. Anthony Byrne, diretor escolhido para comandar a os novos episódios, eleva as consequências das ações dos irmãos Shelby para a saúde mental de cada um. Enquanto Tommy delira com a esposa morta e referências de autoflagelação, Arthur é incapaz de conviver com a própria existência. Em Small Heath, nem todo o ópio da Inglaterra consegue apagar uma vida de crimes e perdas.

Essa fragilidade apresentada pelos protagonistas os expõe e traz vigor novo para a produção. O patriarca dos Peaky Blinders finalmente atingiu o seu limite. É o encontro de um homem com a sua própria escuridão e sua luta para não perder o trono e cair no esquecimento. Apesar de Mosley ser o antagonista físico, a mente de Tommy também se torna um inimigo à altura. É preciso lutar contra si mesmo e reencontrar a calma característica do personagem para poder enfrentar o fascista. Ao mesmo tempo, ele lida com a paranoia de ter um traidor dentro de sua própria gangue.

Com o retorno de Byrne garantido na direção da próxima temporada, é possível que a trama explore ainda mais os surtos da família Shelby e coloque à prova a fidelidade de cada um  – os eventos do season finale abrem espaço para rumos inexplorados na série. Enquanto os Peaky Blinders ainda estiverem no topo, o perigo sempre estará por perto. E pelo que foi visto até agora, pode estar mais próximo do que nunca. Peaky Blinders Em andamento (2013- )

Criado por: Steven Knight

Duração: 5 temporadas

The Politician – 1ª temporada | Crítica

Primeira série de Ryan Murphy para Netflix tem momentos impressionantes, mas é desorganizada e inofensiva

Ben Platt e Gwyneth Paltrow em cena de The Politician

No início de 2018, Ryan Murphy anunciou o vencedor da batalha pelo direito de tê-lo no casting de uma poderosa plataforma de streaming: a Netflix. Um milionário acordo de 300 milhões de dólares resultou na ida do produtor e roteirista para o time da gigante. Bastaram alguns meses para os primeiros anúncios de projetos começarem a surgir e The Politician foi prometido como uma sátira política que mostraria pela ousada perspectiva de Murphy como funcionam os valores políticos americanos. A série teria co-criação de Brad Falchuk e Ian Brennan, os mesmos que estiveram com ele em Glee, o que também já antecipava qual seria o tom do projeto.

A última vez que os três estiveram juntos numa produção foi em Scream Queens, que a Fox cancelou após a segunda temporada. Se em Glee a necessidade de acalmar o exagero teatralizado do texto era essencial para que o público se identificasse com as dores dos excluídos da escola, em Scream Queens os três escreviam para o gênero slasher, que já é originalmente inverossímil. O resultado foi o descontrole total dos níveis de surrealismo sempre tão presentes no trabalho deles. Scream Queens passou de uma primeira temporada provocativa e interessante, para uma segunda temporada tosca, bagunçada, desnecessária. As vozes do trio de roteiristas são altas demais em alguns momentos e para que não estourem os tímpanos da realidade, precisam de uma boa amarra humana.

The Politician tem muitas razões para funcionar num âmbito mais realista. Estamos num momento em que a sociedade americana luta para que o voto (que lá nos Estados Unidos não é obrigatório) seja parte dos deveres conscientes de cada cidadão. Murphy, que tem um trabalho árduo em fazer com que sua obra seja engajada, criou imensas expectativas quando anunciou um produto que falaria justamente sobre política. Estava estabelecido o contraste, então. O roteirista tinha muito a dizer, precisava que todos ouvissem.  Ao mesmo tempo, quando reunido com seus parceiros, não resiste ao exagero e ao excesso de alegorias. The Politician resultou em uma série com muitas coisas importantes a serem ditas, mas incapaz de garantir que o espectador tenha paciência de enfrentar o que fosse necessário para ouvir. E o pior: para um produto sobre política, com a marca Ryan Murphy, a política em The Politician é excessivamente… correta.

Politicagem

Ben Platt é um trunfo. O ator vive Payton, um jovem adotado por uma família rica e que sonha em ser presidente dos Estados Unidos. A ideia da série é justamente mostrá-lo a cada temporada numa disputa diferente, até a última, que revelaria a campanha para o almejado cargo da Casa Branca (segundo a Netflix, cinco anos seriam necessários para isso). Essa pseudo-antologia começa, então, com a briga de Payton para vencer a disputa pela presidência do grêmio estudantil do abastado High School onde estuda. O protagonista é defendido por Platt com uma segurança abismal; e com uma compreensão imensa de quem ele é também. A grande primeira alegoria exagerada de Murphy é justamente aquela que envolve os ricos. Entediados, frios, entorpecidos e conservadores, quase sempre, sem exceção. Como acontece com clichês e estereótipos, há uma boa dose de verdade nisso, mas o texto às vezes vai tão longe nessa representação que começa o efeito colateral do afastamento afetivo.

A morte de seu amigo e amante River (David Corenswet), joga Payton num abismo de desajuste sentimental que vai piorando a cada nova decisão cretina que é tomada no intuito de vencer. Os dois, que viviam um amor escondido, são resultado de uma insistente bandeira de aparências que resiste aos séculos e Murphy vai construindo a ideia de que a ligação entre péssima política e péssimos políticos, nasce no minuto em que eles escolhem não serem “de verdade”. Tudo é uma questão de fingir na realidade da série, o que encontra seu apogeu na relação entre Infinity (Zoey Deutch) e a vó Dusty (Jessica Lange) — que remete imediatamente à história de Gipsy Rose e a mãe Dee Dee Blanchard, que obrigava a filha a parecer doente para conseguir atenção e coisas gratuitas, de jantares a imóveis. Todo esse fingimento vai se estendendo para todos as tramas, indo desde a ex-prostituta vivida por January Jones até o casamento infeliz da mãe de Payton, vivida por uma carismática Gwyneth Paltrow.

Os elementos principais da série se montam no primeiro episódio de modo realmente brilhante. É impossível não pensar em Glee, não só porque esse é um ambiente adolescente (ainda que todos pareçam já ter 30 anos), mas porque se estamos numa comédia, escrita por Murphy, Falchuk e Brennan, no meio de um high school, é inevitável perceber um tom ácido no humor, que critica e ridiculariza tudo que cerca essa padronização do comportamento americano conservador. Além, é claro, de uma sequência comovente em que os talentos musicais de Platt são colocados em pauta na homenagem ao som de River, de Joni Mitchell.

Do primeiro episódio em diante a série cai numa espiral de recorrências tolas em enredos sobre disputas e competições. Para uma série de apenas oito episódios a presença de uma “barriga” narrativa é bastante alarmante. Há momentos interessantes como a brincadeira com A Garota Exemplar ou com o musical sobre tentativas de assassinar presidentes, mas com exceção do ótimo mini-episódio todo centrado num eleitor indeciso que é o retrato brutal da juventude de classe média americana, o miolo de The Politician é cansativo. Estranhamente, a promessa de satirizar a política contemporânea resultou num retrato inofensivo de como a política funciona desde sempre. As armações e extremos prometidos por um trailer caótico resultaram numa série que não foi tão longe assim. The Politician não incomoda ninguém.

Isso até chegarmos ao episódio final, esplêndido, com Judith Light e Bette Midler no centro das atenções, num contexto surpreendente, repleto de grandes possibilidades, que reúne em pouco mais de uma hora, tudo que a série não entrega na maioria dos episódios. Então, com apenas três episódios realmente notáveis (1, 5 e 8), The Politician não soa como uma oportunidade bem aproveitada. Não é uma série ruim, mas é desorganizada, incapaz de fluir com equilíbrio entre a verdade e a alegoria ou entre a ousadia e a recorrência. Aqueles que a terminam sabem que bastam esses três grandes episódios para que a série seja muito mais brilhante do que muitas que estão por aí celebrando suas zonas de conforto. Mas, estamos falando de Ryan Murphy…The Politician Em andamento (2019- ) Criado por: Ian Brennan, Brad Falchuk, Ryan Murphy Duração: 1 temporada Nota do Crítico Bom

Marianne | Crítica

Série francesa de terror da Netflix é um emaranhado de clichês altamente maratonável

Marianne

A Netflix encontrou bastante sucesso com produções de terror – assim como na época das locadoras, o gênero tem um público amplo que sempre está vasculhando o catálogo por conteúdo para consumir. Isso incentiva a plataforma a investir em séries e filmes para encher a seção com títulos de variados graus de qualidade. Marianne, seriado francês do streaming, não é nenhum destaque, mas é altamente maratonável.

A trama acompanha Emma, uma escritora de sucesso por trás de uma famosa saga literária de horror. Durante uma sessão de autógrafos, ela é confrontada por uma antiga amiga que indica que algo sombrio está a caminho e que precisa retornar à sua cidade-natal. Chegando lá, a autora é atormentada por Marianne, bruxa satanista descrita em suas histórias. Logo de cara o programa já deixa claro que se sente confortável em aproveitar conceitos batidos: toda a ideia de Criador contra Criação é frequentemente vista em narrativas sobre escritores, tendo dado as caras tudo desde contos de Stephen King, filmes de John Carpenter e até videogames, como Alan Wake.

Conforme o ritmo que avança pelos seus oito episódios, a série invoca muitos outros clichês, sejam eles relacionados à trama – como a noção de controlar um inimigo sobrenatural através do uso de seu nome real -, ou mesmo na linguagem visual, que bebe fortemente da técnica e jogo de câmera que James Wan popularizou há anos com os primeiros Sobrenatural (2010) e Invocação do Mal (2013). Considerando que o cinema de gênero sabe como torturar seu público, com exemplos brutais vindos de Mártires (2008), Raw (2016) e outros, Marianne é especialmente decepcionante na sua falta de inovação e estética genérica, provavelmente pensada para atrair o mercado internacional.

Ainda assim é um seriado realmente agradável de se assistir. Isso se dá a forma como todo o confronto é enquadrado como um mistério – ainda que de soluções previsíveis -, e também pelo foco na jornada de Emma por consertar suas problemáticas relações com praticamente todos que conhece. O quinto capítulo, por exemplo, é chamado de “You Left Her” e ambientado no passado, e contextualiza tanto a origem da assombração quanto as memórias traumáticas que moldaram a protagonista. Alguns momentos, em que há maior experimentação visual, também entregam bons jumpscares, chegando até a referenciar um momento clássico de O Exorcista III. Além disso, a sombria Madame Daugeron, interpretada por Mireille Herbstmeyer, rouba toda cena que dá as caras, por si só segurando a barra de metade da temporada.

Infelizmente, essa confiança e desenvolvimento são tímidos aqui, com a regra sendo questionar a capacidade do espectador com constantes flashbacks e diálogos explicativos, combinados com “sustos” artificiais, que tentam chocar pelo barulho ao invés de construir tensão. Marianne não é o melhor do que a Netflix ou o cinema de gênero francês conseguem fazer. A série é bastante industrializada e sem vontade de arriscar. De qualquer forma, mesmo que seus pontos altos sejam entregues à conta-gotas, o programa nunca se torna ruim ou ofensivo – apenas sem sal. É um caso em que a distribuição ajuda bastante o projeto: mesmo sendo mais ou menos, é uma boa e rápida maratona para intercalar com filmes e séries melhores.

Marianne Em andamento (2019- )

Criado por: Netflix

Duração: 1 temporada

Criminal | Crítica

Antologia policial da Netflix encontra equilíbrio entre suspense e desenvolvimento de personagens, mesmo com curtas temporadas

Cena de Criminal UK/Netflix/Divulgação

Quando anunciado, Criminal parecia um projeto ambicioso demais da Netflix. Afinal, a série estava sendo vendida como uma franquia, com doze episódios separados em curtas temporadas baseadas no Reino Unido, Espanha, Alemanha e França, cada qual com seu crime específico a ser desvendado pela equipe responsável pelo interrogatório. Independente de qual país o espectador escolha como primeiro “bloco” para assistir, a tensão da sala de entrevistas é sentida e, no clima claustrofóbico criado pela limitação do cenário, o público se sente, alternadamente, nos papéis de detetive e suspeito.

Apesar de não fazer diferença, a chance de o público brasileiro começar a assistir a série pelos blocos britânico ou espanhol são grandes: o primeiro conta com nomes atraentes como David Tennant (Doctor Who, Jessica Jones, Belas Maldições e Harry Potter) e Hayley Atwell (Black Mirror e MCU) e o segundo, com a proximidade da língua. Ainda assim, as temporadas alemã e francesa também servem como ótimo ponto de partida, já que as quatro são estruturalmente parecidas, tornando a experiência de assistir Criminal mais agradável a cada episódio.

Diferentemente de outras séries policiais, a produção não acompanha as várias fases de um caso policial. O foco da série é o último interrogatório de cada suspeito, liderado por uma equipe especializada em analisar cada detalhe do crime e dos depoimentos, em busca de qualquer peça que não encaixe.  Com um roteiro preciso e bem amarrado, Criminal mostra, em quarenta minutos, um desenvolvimento completo de personagens, com suspeitos mostrando seus caráteres verdadeiros logo que uma pergunta é feita.

Mesmo acompanhando equipes de quatro a seis membros por apenas três episódios, a evolução de seus arcos é perceptível e, ao fim de cada temporada, fica claro o que cada detetive é ou não capaz de fazer para solucionar um crime. Entre as quatro séries, a alemã é a que menos aproveita seu elenco, focando nos detetives Schultz (Sylvester Groth, de Bastardos Inglórios) e Keller (Eva Meckbach) e delegando os outros personagens a meros espectadores. 

Em cada bloco, algum policial tem algo a provar: o alemão Schultz quer resolver um caso de vinte anos; a espanhola Maria (Emma Suárez, de Julieta) está perto de finalmente prender o traficante que atropelou sua irmã; a inglesa Hobbs (Katherine Kelly) tenta manter sua unidade; e a jovem francesa Audrey (Margot Banchilhon) procura o respeito de colegas mais experientes que acham que ela não merece o cargo que tem. Mesmo que os resultados não sejam alcançados, ver o que e como se forma a personalidade de cada um ao final de cada parte da antologia policial é um sentimento satisfatório, especialmente pelo fato de a série se conter para não exagerar em desnecessários diálogos expositores.

O cenário claustrofóbico também é outro ponto forte da série. Idêntico nos quatro países, o set de Criminal é composto da sala de interrogatório, a antessala atrás do vidro espelhado e do corredor que liga as duas ao elevador. Essa similaridade garante que não haja estranheza, por exemplo, ao mudar de uma série para a outra, tornando a troca natural. Já não bastasse o espaço limitado da produção, os closes em monólogos – de detetives e suspeitos – faz com que seja impossível se identificar com apenas um lado. As reações a cada nova prova apresentada ou resposta atravessada de advogados torna o cenário uma verdadeira panela de pressão e faz com que 40 minutos de série passem voando.

Com uma premissa um pouco assustadora para quem já está acostumado a seguir séries policiais, a antologia é um sopro de ar fresco no gênero e um investimento bem pago do espectador e do streaming. Se a Netflix teve pequenos problemas com a crítica de suas produções originais recentemente, Criminal prova que a plataforma ainda tem fôlego – e ideias – de como produzir TV de alta qualidade.

Criminal Em andamento (2019- )

Criado por: Jim Field Smith, George Kay

Duração: 1 temporada

Inacreditável | Crítica

Minissérie policial da Netflix combina perspectiva de vítima de abuso sexual e das investigadoras do crime para criar retrato fiel do descaso e ineficiência do sistema

Meritt Wever e Toni Colette em Unbelievable, da Netflix

[Aviso: assim como a série, o texto abaixo cita e discute violência sexual]

A indústria de entretenimento tem um grande fascínio por crime desde sua concepção mas, recentemente, foi tomada for uma verdadeira febre de contos baseados em ocorrências reais, o subgênero do suspense chamado de True Crime. Essa obsessão não é de todo estranha: afinal, entender o pior de nossa espécie nos ajuda a ser melhores.

Nada exemplifica isso melhor do que Inacreditável, minissérie da Netflix que adapta o premiado artigo da ProPublica sobre um caso de abuso sexual ignorado pela polícia na época, mas que servia como ponto-chave para capturar um agressor em série. Assim como a reportagem, o programa é dividido em duas partes. A primeira delas se passa em uma cidade de Washington, no ano de 2008, e acompanha Marie Adler (Kaitlyn Dever), sobrevivente que é desacreditada pela polícia de seu estado, marcando sua vida para sempre. Já a segunda acontece em 2011, no Colorado, e mostra duas investigadoras na cola de um abusador em série.

Arcos diferentes trazem abordagens diferentes, e o de Marie é particularmente impactante. Os argumentos do seriado não são inéditos, com sobreviventes e ativistas há décadas alertando sobre os perigos de contestar e pressionar as vítimas em um momento tão sensível e traumático. Por isso, a produção opta pela imersão ao despertar no espectador a fragilidade e desespero causados pela forma com que o despreparado sistema policial e jurídico trata as pessoas que sofrem esses crimes. Isso acontece logo no piloto, quando a garota é forçada a recontar sua experiência inúmeras vezes, para diferentes agentes da lei – cada vez mais hostis, céticos e menos inclinados a oferecer apoio. Daí em diante as coisas só pioram para Marie, e vê-la perdendo amigos, família e oportunidades em função de ter sido publicamente marcada pelo trauma é de embrulhar o estômago. Inacreditável sabe como chocar seu público sem nunca se render ao sensacionalismo, violência explícita ou desrespeitar seu objeto de estudo.

Já o outro arco funciona mais como uma série policial, acompanhando as detetives Karen Duvall (Merritt Wever) e Grace Rasmussen (Toni Collette) juntando forças ao verem conexão entre casos recentes de abuso sexual. Esse lado se conduz de forma mais tradicional e argumentativa do que prática, mas é igualmente forte. Muito disso se dá pela excelente dinâmica entre as duas, com Duvall sendo mais reservada e calculista, enquanto Rasmussen fala o que pensa. O roteiro se saí muito bem aqui ao não só acertar na parceria das duas, como também criar bastante tensão na caçada ao abusador serial.

As atuações são um dos pontos mais fortes da obra. Kaitlyn Dever, que continua sua ascensão após o enorme sucesso de Fora de Série (2019), se entrega de corpo e alma para fazer jus ao peso que Marie carrega por toda a sua vida. Já Toni Collette – do excelente Hereditário (2018) – combina carisma e ameaça em uma policial que é durona e bastante humana ao mesmo tempo. O verdadeiro destaque, porém, é Meritt Wever. A atriz foi de interpretar Denise nas piores temporadas de The Walking Dead, para protagonizar sua própria minissérie, em um papel que não tem muitas palavras, mas que exige performance física simultaneamente intensa, se comunicando através de seus olhares. Wever tira isso, e os momentos mais espontâneos de sua personagem, de letra.

Mas o que realmente faz tudo funcionar é a união de tudo. Inacreditável uma série verdadeiramente densa, que encaixa uma nova faceta do problema a cada nova situação e diálogo – desde citar a relação entre violência doméstica e abuso sexual, até a epidemia de casos do tipo em campus universitários. O seriadousa ao máximo o potencial do meio televisivo para pintar um retrato mais fiel e honesto da ineficiência de um sistema que não só faz o mínimo para proteger sobreviventes, como também se esforça muito para manter-se inerte. E o programa não tem medo de discursar seu subtexto com todas as letras. Durante uma sessão de terapia, a psiquiatra de Marie ouve sua história e pontua a dor da garota: “Basicamente, você foi agredida duas vezes”, ela afirma. “Uma pelo agressor, e a outra pela polícia”.

Inacreditável Em andamento (2019- )

Criado por: Susannah Grant, Michael Chabon, Ayelet Waldman Duração: 1 temporada