Pressão por perfeição e carreira curta são alguns fatores que afetam os artistas
Há alguns anos o k-pop tomou conta do mundo. O estilo musical da Coreia do Sul que mistura diversos gêneros musicais com a parte visual entrou na vida vida de muitos jovens e adultos em vários países, que sobem hashtags de seus ídolos nas redes sociais, apoiam todos os lançamentos dos grupos e ficam de olho em cada movimento de suas vidas e carreiras. No entanto, apesar de o k-pop ter esse frescor da juventude, ele também é acompanhado de alguns problemas, principalmente quando se trata de como essa indústria funciona.
A base do k-pop são as agências de gestão da Coreia do Sul, que coordenam as carreiras e formam as bandas. Ou seja, uma banda de k-pop não surge naturalmente, com jovens que se conhecem e gostam de música, e resolvem começar a cantar. Por lá, tudo isso é feito a nível profissional, com treinamentos rigorosos para os potenciais artistas desde uma idade muito jovem. Durante anos, eles aprendem matérias como música e dança e são preparados para ter um determinado comportamento caso sejam escolhidos. Toda essa preparação é supervisionada pelas agências que, ao final do treinamento, formam os grupos. Ao serem escolhidos, esses jovens se tornam idols (ídolos, em tradução livre) e precisam continuar seguindo uma série de regras que abrangem também suas vidas pessoais.
Por exemplo, há contratos da indústria k-pop que proíbem seus idols de namorar; ter tatuagens aparentes (que não são bem aceitas nas transmissões de TV da Coreia do Sul); seus visuais e peso são rigorosamente controlados com dietas e até seus comportamentos são monitorados, como a aparição em festas, etc. De certa forma, é exigida uma imagem de “perfeição” dos idols e tudo isso em uma idade muito jovem. Se por um lado é positivo ter uma empresa que cuida da sua carreira e te auxilia em vários aspectos do trabalho, por outro é difícil lidar com tantas pressões em uma idade tão jovem.
Há ainda uma preocupação muito grande com o fim do sucesso. Atualmente os contratos dos grupos são assinados por 7 anos, com possibilidade de renovação. No entanto, com novos artistas surgindo todos os anos e uma indústria que preza por figuras mais jovens, é comum que idols na casa dos 30 anos busquem novas carreiras artísticas, o que gera ainda mais preocupação a longo prazo.
Impactos
Esse modelo de criação de ídolos gera um impacto muito grande na carreira de vários jovens artistas. Enquanto há grupos que ganham fama mundial, como o BTS, um dos maiores exemplos de sucesso do k-pop, outros infelizmente não conseguem lidar com tanta pressão. Nos últimos anos, o aumento de mortes de artistas do k-pop preocupa e traz a discussão sobre a saúde mental dentro desta indústria e se realmente é positivo condicionar pessoas tão jovens a uma vida tão rigorosa. 2019, por exemplo, teve as mortes impactantes de Sulli, do grupo f(X) e Goo Hara, que fez parte do grupo Kara entre 2008 e 2015. Um dos casos mais recentes é o de Yohan, astro do grupo de TST. Embora a causa de sua morte não tenha sido divulgada a pedido da família, o caso preocupa por fazer parte de uma tendência maior.
Em entrevista ao NY Times, o jornalista e diretor de cinema Lee Hark-joon, responsável por um documentário da banda Nine Muses e autor do livro K-Pop Idols: Popular Culture and the Emergence of the Korean Music Industry, falou sobre como é difícil para os idols ter a perspectiva de uma vida comum: “Desde muito cedo, eles vivem uma vida mecânica, passando por um regime de treinamento espartano. Eles raramente têm a chance de desenvolver uma vida escolar ou relacionamentos sociais normais”.
Embora a indústria do k-pop se destaque por sua rigidez e controle da vida dos idols, isso não é exclusividade do país. Infelizmente, a indústria de entretenimento ocidental muitas vezes também se mostra nociva na vida pessoal de artistas que começam a carreira cedo. Ainda que haja glamour e festas, não é difícil ter exemplos de jovens artistas que se envolvem com drogas ou desenvolvem distúrbios após muitos anos na carreira artística. A maior diferença é que no ocidente costuma haver um “momento de libertação”, quando jovens se desvencilham de suas imagens perfeitas colocadas na adolescência e mostram que mudaram, como aconteceu com Miley Cyrus e Justin Bieber, por exemplo. Porém, em uma cultura tão severa como a oriental, é muito mais difícil conseguir fazer isso.
O k-pop é um fenômeno e não há dúvidas de que o sucesso do gênero está ajudando a divulgar a cultura sul-coreana pelo mundo. Para os fãs, as músicas dançantes acompanhadas de lindas coreografias e MVs (music videos) são muitas vezes um alento em momentos difíceis. O k-pop leva alegria para os fãs. No entanto, ainda que o formato dessa indústria funcione a nível empresarial, é hora de começar a pensar também se ele é o melhor para os artistas e como eles podem sentir um pouco da esperança que transmitem para seu público.
*** O CVV (Centro de Valorização da Vida) faz apoio emocional e prevenção ao suicídio gratuitamente, com total sigilo, 24h por dia por e-mail, chat no site oficial, ou pelo telefone 188.